Um Beijo pro David Coimbra
Copio aqui abaixo o texto escrito pelo jornalista acima. Nunca esperei achar algo válido no caderno "Meu filho", aliás, nem sei pq lia o caderno na Zero hora de Segunda, mas como o nascimento do Bernardo foi tão comentado ou talvez só tenha chamado atenção no meio de tantos programas esportivos que sou "forçada" a assistir. Forçada pq gosto de futebol, mas não entendo a moral de pq ver 12 vezes o mesmo lance, em programas diferentes, de ficar escutando a entrevista de 30 minutos do Mano Menezes não dizendo nada, entre tantas outras polêmicas irrelevantes que a imprensa fica tentando criar. Assim como ele, não fico tão emocionada nos momentos em que todo mundo fica, mas posso ficar boba demais com uma música ou um comercial de supermercardo. Aí vai:
Nasceu o Bernardo DAVID COIMBRA *
Você está tranqüilão no seu trabalho, são 22h15min de sexta-feira, você já está pensando nos chopes que hão de vir, está pensando naquelas iscas de lombinho de porco, numa noite aprazível com os amigos na Calçada da Fama, quando toca o telefone e a voz de mulher grita do outro lado da linha:
- Rompeu a bolsa!
WOLFREMBAER!!!, é o que você berra, enquanto joga o telefone para cima e sai correndo, atropelando a mulher da limpeza.
Foi o que aconteceu comigo na sexta, dia 17. Atirei o telefone para cima, dei o grito de wolfrembaer, que é o que a gente deve gritar em momentos que tais, e voei para fora da Redação, passando por cima da Dona Filistéia. Em um minuto estava dentro do carro, zunindo pelas ruas do Menino Deus, entrando na contramão, espalhando azulzinho para tudo que é lado. Em dois minutos, bufava na sala de casa. A Marcinha:
- Já?
Eu:
- BAMO!
Nem carecia tanta pressa, como constatei em seguida. A coisa foi demorada. Quase cinco horas de tentativa de parto normal, contrações e lenta dilatação e eu ali, assistindo, pensando no que todos me dizem: que o nascimento do primeiro filho da gente é a maior emoção do mundo. Mas não sentia emoção nenhuma. O que sentia é que o pai é um inútil nessa situação. A mulher forcejando, os médicos trabalhando e o pai... olhando. Pensei em buscar cafezinho para alguém ou contar alguma piada, mas ninguém queria café e não havia clima para piada, nem para a piada da borracha. Então tentei me encaixar em um canto em que não atrapalhasse. Fiquei ali, quietinho, respirando.
Eles resolveram fazer cesariana. Foi tudo muito rápido. Em cinco minutos, lá estava eu, atrás de um lençol verde, ouvindo o ruído do bisturi cortando a carne, tzif!, tzif! Cristo!
Mais alguns minutos e:
- Aí vem ele! Aí vem ele!
Veio! Só que em silêncio. Não teve aquela coisa de ele ser posto chorando no peito da mãe, a mãe chorando também, aquela cena que a gente vê nos filmes. Levaram-no para outra sala. Fui atrás, filosofando: ué? E lá, naquela sala, envelheci uns cinco anos em cinco minutos. Porque foi esse o tempo que ele levou para respirar: cinco minutos! Que me pareceram meia hora. É normal, disse-me a médica, mas, pô, como é que eu ia saber disso???
Cinco minutos inteiros... E o gurizinho imóvel e azul.
Por toda essa aflição, não senti, na hora do parto, a tal maior emoção. Senti só alívio. Também não senti nenhuma emoção especial nas horas seguintes. Todo mundo indo ver o nenê, o nenê olhando para aquela azáfama com uns olhões arregalados, a pediatra advertindo:
- Ele está agitado. Vai ser uma noite dura.
Eu com medo, muito medo, e assinando alguns cheques. Descobri ser essa a função do pai nesses primeiros dias de vida da criança. Na verdade, duas funções: assinatura de cheques e serviço de encomendas.
- Busca lá um algodão quadradinho e um alquinho?
- Me traz um bauru?
- Aproveita e compra umas revistas.
Eu obedecia. À noite, as piores previsões da médica se cumpriram. O nenê chorava e chorava. Quando não chorava, gritava. Quando não gritava, berrava. Quando não berrava, uivava. Mas o pior era quando urrava. Compreendi que a Natureza é sábia: os nenês têm essa voz estridente para que os pais os ouçam de qualquer lugar em que estejam. E os pais os ouvem, como os ouvem.
O que fazer para acalmá-lo? Nenês de um dia de vida são como torcedores de futebol ou crentes religiosos: não são suscetíveis a argumentos racionais. Nada o convencia a parar. Nem as atenciosas enfermeiras do Mãe de Deus, que são realmente atenciosas. E horas e horas de choro, e eu pensando naquela história da emoção, a grande emoção de ter um filho. Que falácia! Que mentira! Me enganaram!
Às cinco e meia da madrugada, a mãe dele começou a chorar também. Um chorava ali, outro chorava aqui, eu tentando manter a calma, mas já certo de que me haviam engrupido: não existia a tal maior emoção do mundo. Só existia dor.
Então, às cinco e quarenta e cinco, quando tudo parecia perdido, eu o tomei nos braços. Comecei a embalá-lo. E lembrei de uma música do Dorival Caymmi que o Roberto Carlos gravou nos anos 70 e que a Adriana Calcanhoto cantou na abertura do Pan. Uma música que dizia com precisão exatamente o que estava acontecendo. E eu a cantei para o meu menino:
"É tão tarde, a manhã já vem Todos dormem, a noite também Só eu velo por você, meu bem Dorme, anjo, o boi pega neném Lá no céu deixam de cantar Os anjinhos foram se deitar Mamãezinha precisa descansar Dorme, anjinho, papai vai lhe ninar: Boi, boi, boi, boi da cara preta Pega esse menino que tem medo de careta".
E ele começou a piscar os olhinhos e começou a se acalmar e me olhando sempre e sempre adormeceu nos meus braços, e nos meus braços dormiu por quatro horas e nessas quatro horas fiquei olhando para ele, tão pequeninho, tão frágil, tão sereno, e aí, aí sim, aí eu senti, senti, senti, senti, cara, aquela emoção.
Lisi Lane @
8/28/2007 02:15:00 PM :: comente:
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